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Sobrevivendo

  • Foto do escritor: Giovana Cogo
    Giovana Cogo
  • 23 de ago. de 2018
  • 3 min de leitura

Tomei um banho. Acredito que muita gente toma banho antes de sair de casa, de manhã. Ao me vestir, optei por uma das minhas sais longas, toda preta.

Meu bairro é perigoso, como posso usar algo chamativo? Na verdade, esse é o segredo, passar despercebida é a melhor forma de não acabar sendo abusada num beco qualquer. Tenho um batom vermelho, velho, mas nem o uso, pra quê me vestir como eu gostava e quero se isso pode custar minha vida.

Checo o celular, é a última vez que vou consultá-lo , agora, somente quando chegar ao meu trabalho.

Passo a mão em minha camiseta branca, para alisar, e prendo meu cabelo escuro em um coque baixo. Não uso maquiagem, apenas o batom de cacau cobre meus lábios rachados.

Ando com a cabeça baixa, percebo que os bêbados do bar da rua me olham de longe, atravesso para o outro lado da rua, se mexerem comigo já estou pronta para correr.

Quando chego ao ponto de ônibus, espero em pé, mesmo que demore um pouco. A porta se abre na minha frente e subo na lata de sardinha, está lotada, mesmo assim não acho que aquele rapaz deveria ter ficado tão perto. Eu ia mais pro canto e ele continuava quase em cima de mim.

No trabalho, meu chefe ficou me olhando com uma cara estranha, enquanto eu fazia só evitar olhá-lo nos olhos por muito tempo, ele poderia se ofender e me demitir. Eu realmente preciso desse emprego, caso contrário...

Comi sozinha no almoço, nas escadas, porque ninguém vinha por ali. Esse era meu momento de paz.

Meu colega de departamento me colocou contra a impressora na sala da copiadora. Eu pensei que depois de várias tentativas frustradas em conseguir algo comigo ele pararia de tentar. Não aconteceu. Talvez nunca aconteça, eu ficaria mais confortável se ele apenas parasse.

Para ele parecia uma brincadeira, ele tinha um olhar e sorriso cínico o dia inteiro. Tinha uma esposa também, eu a conheci num jantar da empresa uma vez. Ela não merecia esse marido. Empurrei ele para o lado e me apressei em sair da sala com minhas cópias da ata da reunião de mais cedo.

Na volta para casa o ônibus não estava cheio, eu não voltava no horário do pico, me sentei num dos bancos vazios e depois de vinte minutos, eu acho, um homem se sentou do meu lado, me encolhi. O senhor ficava com um dos joelhos na minha parte do banco, fiquei quieta e comecei a contar os carros que passavam pela janela na contra-mão.

Dessa vez o caminho para minha casa era mais longo. Menos perigoso, pois faço desvio por uma parte mais iluminada do bairro, evitando qualquer estranho.

Chegando perto do portão de casa, avisto meu namorado me esperando. Sorrio.

Ele elogia minha roupa, diz que assim nenhum tarado irá mexer comigo e lhe dou um sorriso apagado. Ele pergunta se tudo está bem e faço que sim com a cabeça.

Do jeito que ele é estourado mataria todos os homens que me importunaram, ou aqueles que apenas colocaram seus olhos sobre mim. Por isso não tenho nenhum amigo homem, ele não gosta. Talvez ele me mataria de ciumes, pra ele eu sofria assédios por causa das minhas antigas roupas e companhias masculinas. Foi ele quem me deu as novas camisetas e saias compridas, roupas mais "comportadas", segundo ele. Sei que ele só quer cuidar de mim.

Me despeço dele com um beijo.


Foi um dia normal.

 
 
 

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